segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Jahu: A Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sem Escalas

Filho de um cafeicultor, João Ribeiro de Barros nasceu na cidade paulista de Jaú em 1900. Desde cedo foi atraído pela aviação, tendo estudado nos Estados Unidos e obtido o brevê internacional nº 88 em 1923. Inspirado pela travessia dos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922 - a primeira sobre o Atlântico Sul, em comemoração ao centenário da independência - começa a idealizar um novo raide, desta vez feito sem escalas.

As dificuldades da aviação no início da década de 1920 eram imensas. Apesar de ter realmente tido seus primeiros voos regulares cerca de 15 anos antes, os aviões ainda eram simples e pouquíssimo desenvolvidos. A Primeira Guerra Mundial trouxe uma sensível melhora principalmente nos sistemas de navegação e motorização, o que também permitiu a criação de algumas indústrias especializadas, como a Savoia-Marchetti na Itália em 1915 e a Boeing nos Estados Unidos em 1916. Eram muito comuns os hidroaviões, já que haviam pouquíssimos aeroportos disponíveis e as condições das pistas eram sofríveis, com solo de terra batida e sem qualquer tipo de drenagem. Com a utilização dos hidroaviões, podia-se não só pousar em qualquer lugar onde tenha mar, lago ou rio, mas também um pouso de emergência mais seguro em caso de alguma dificuldade mecânica ou falta de combustível.

Parte então de volta para os Estados Unidos, onde passa a estudar o assunto com seu amigo Gago Coutinho. Os dois preparam uma série de requisitos técnicos necessários para a realização da viagem e enviam à Savoia-Marchetti; entretanto, a fábrica, que ainda se recuperava dos efeitos da guerra, responde que não seria possível projetar um novo modelo de avião, mas poderia ceder um avião parado em seus hangares, o "Alcyone". A unidade, modelo S-55C, um dos mais modernos da época, fora utilizado pelo Conde Casagrande em tentativa anterior para a travessia do Atlântico Sul sem escalas. A viagem fracassou logo no começo, e o "Alcyone" foi então devolvido para o fabricante. Os dois aceitam, porém pedem a troca dos motores e flutuadores por outros mais próximos ao que julgavam ser ideal. Ainda na Itália, João impressionou os empregados da fábrica com sua habilidade em pilotar o pesadíssimo avião, inteiramente revestido de madeira naval. Para diminuir seu peso, até mesmo o equipamento de rádio foi suprimido, transformando o aparelho em um grande tanque de combustível. Ganhou então nova pintura, vermelha e preta, e novo nome: "Jahu", em homenagem à cidade natal de João. Nas laterais, foram pintados os dizeres "Vou Ali" e "Já Volto", além do novo nome da máquina e o novo prefixo: I-BAUQ.

João Ribeiro chama seu amigo, o mecânico Vasco Cinquini, e por este foi indicado o capitão Newton Braga. Para segundo piloto, lhe foi recomentado o tenente Arthur Cunha, aviador carioca recém formado. Em 13 de outubro de 1926, o "Jahú" e sua tripulação decolaram de Gênova, Itália, rumo a Gibraltar. Contudo, após 5 horas de voo, os motores apresentaram problemas, o que forçou a tripulação a pousar em Dénia, de onde seguiram para Alicante, Espanha. Imediatamente, as autoridades espanholas, desconhecendo a viagem, prenderam os aviadores, que só foram soltos algumas horas depois após a intervenção do diplomata brasileiro.

De volta ao avião, descobriram uma tentativa de sabotagem: uma mistura de terra, areia e sabão foi adicionada nos tanques de combustível. Com os reservatórios limpos dias depois, o "Jahu" seguiu viagem no dia 25, rumo às Ilhas Canárias, onde chegaram após 7 horas, enfrentando novamente problemas nos motores por falta de alimentação, solucionado no ar por Cinquini e Braga, que passaram a bombear combustível manualmente, em um esforço exaustivo que levaram os técnicos ao limite. Posteriormente, após 9 horas de voo, alcançaram Praia, em Cabo Verde, onde enfrentariam a fase mais grave do reide aéreo. 

Em meio aos preparativos para a decolagem para o grande teste, a viagem para o Brasil, o tenente Cunha exigiu que o comando do avião fosse repassado a ele e que a tripulação passasse a seguir suas ordens. Posteriormente, veio à tona de que o jornal A Pátria, do Rio de Janeiro, remuneraria Cunha caso o avião chegasse à capital sob seu comando, onde o jornal daria a notícia em primeira mão como um furo de reportagem. João foi forçado a desligar Cunha da equipe, e a enviar Braga de volta para a Itália para buscar uma solução definitiva para os problemas do motor. Ele e Cinquini ficaram então ilhados em Cabo Verde, já que o avião necessitava de mais de um piloto para voar.

Rumores correm nos jornais, que acompanhavam o caso com bastante atenção, de que Barros desistiria; o presidente Washington Luiz chegou a mandar-lhe um telegrama pedindo-lhe que desmontasse o avião e voltasse ao Brasil. Deprimido, após quatro acessos de malária e com o avião avariado, João consultou a sua mãe, Dona Margarida, que respondeu com um telegrama emocionado, onde pedia a continuidade da viagem. Juntou-se então à equipe o tenente João Negrão, da Força Pública Paulista, e iniciou-se a revisão do "Jahu", que havia ficado ancorado por meses. Durante a revista, foi descoberta uma peça de bronze solta no interior do motor, indicando nova tentativa de sabotagem.

Finalmente, em 28 de abril de 1927, após 12 horas de voo, voando a uma altitude de apenas 250 metros e com problemas no motor, o "Jahu" chega ao Brasil, pousando em Fernando de Noronha. Houve comemorações por todo o país, tendo em seguida o "Jahu" feito escalas nas cidades de Natal, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Por todos os lugares onde passaram, foram recebidos festivamente, com direito a desfile em carro aberto e honras militares, como poderá ser visto no filme mais abaixo. Em agosto chegam à Santos, onde realizam a última etapa da viagem, rumo à Represa de Guarapiranga, em São Paulo capital, encerrando assim o raide.

Mapa da viagem, mostrando-se as diferentes paradas realizadas.

A inspeção do avião na Represa de Guarapiranga, no dia seguinte a sua chegada.

O Jahú nunca voaria outra vez: após a viagem, foi doado ao Museu Paulista, onde permaneceu até 1950, quando foi então transferido para o Parque do Ibirapuera. Após anos sem manutenção adequada, o hidroavião foi restaurado em 2007 e cedido ao Museu da TAM, em São Carlos, interior paulista, onde reside hoje, original em seus mínimos detalhes. 

João Ribeiro de Barros, planejando novo raide, adquiriu um novo avião, batizado de Margarida; porém, o mesmo foi confiscado pelos apoiadores de Vargas em 1930 para uso na revolução, e após isso destruído num acidente. Tanto João Ribeiro quanto João Negrão participaram da Revolução de 1932, lutando pelo lado dos constitucionalistas e tendo papel fundamental na aviação paulista, um dos temidos pontos de São Paulo na guerra. João Ribeiro viaja a pé pelo Vale do Paraíba até Taubaté, onde se alistou no Exército Constitucionalista, doando para a causa da revolução todo o ouro que possuia e as medalhas ganhas na travessia do Atlântico Sul. Após a guerra, é preso pelo governo Vargas acusado de publicar um jornal contrário ao governo e posto em liberdade logo em seguida dadas as falsas acusações, vindo a falecer em Jaú em 1947 vítima de complicações causadas pela malária adquirida durante o raide, 20 anos antes. Já João Negrão permaneceu nos quadros da Força Pública Paulista, aposentando-se como tenente e vindo a falecer em São Paulo capital em 1978; hoje, empresta seu nome para o Grupamento de Radiopatrulha Aérea João Negrão, que é responsável pelos aviões e helicópteros da polícia paulista, inclusive os famosos Águias.

O avião em seu estado atual, preservado na cidade de São Carlos.

João Negrão e João Ribeiro de Barros em São Paulo, num dos aviões da Força Pública.

Sem dúvida, estes quatro paulistas são alguns de nossos heróis, cumprindo seu objetivo após duas tentativas de sabotagem, uma de golpe, e inúmeros problemas mecânicos e pessoais, escrevendo seus nomes na eternidade das conquistas e façanhas humanas, onde o Homem busca sempre inovar e superar seus limites, desafiando até mesmo as forças da natureza que não lhe deu asas e voando cada vez mais longe.

Por Thales Veiga.

2 comentários:

  1. Excelente matéria. Faltaria apenas mencionar que uma das homenagens ao pioneiro foi denominar rodovia no interior Paulista. Liga a Rodovia Castello Branco à Rondon. Próximo a Jau.

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  2. Prezados, fico muito feliz por vocês resgatarem a história do Jahú, como no post de 10 de dezembro. Mas gostaria de alertar que a imagem utilizada no post é privada, pertence a mim, encomendada em um projeto justamente de resgate da história do Comandante João Ribeiro de Barros e sua tripulação. Foi encomendada ao Estúdio Big Jack, de Belo Horizonte. Solicito a gentileza de retirá-la. E um retorno de vocês, até mesmo para entender como ela chegou até vocês. Agradeço antecipadamente a sua atenção. Peço desculpas pelo comentário público, mas não encontrei um email privado para tal.

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