sábado, 20 de maio de 2017

O Magnetismo de Ilhabela, o Triângulo das Bermudas Paulista

Um dos naufrágios - este sim planejado - e que hoje serve como ponto de mergulho. Foto: portal Em Ilhabela.

Concar, Dart, Theresina, Principe de Asturias... estes são os nomes de algumas das mais famosas das centenas de embarcações que já naufragaram em Ilhabela, no nosso Litoral Norte. Mas o desastres não se restringem apenas à navios: até um avião fora tragado para o fundo do mar. Mas qual a causa deste fenômeno?



"Até hoje só vi um barco desafiar a [Ponta da] Pirabura e sair ileso. Era um inglês. Mas a maldição foi buscá-lo lá perto do Rio de Janeiro e ele se espatifou contra os rochedos de uma ilha. Podem não acreditar nesse mistério, mas ele existe. E para provar que existe, guarda embaixo da Pirabura mais de 10 navios naufragados." (Sr. Jacinto, pescador e residente da Praia do Bonete).

As dificuldades de navegação na região da Ilha Bela advém de tempos remotos: já a esquadra de Martim Afonso, que oficializou a colonização de São Paulo, em 1532, enfrentou diversas dificuldades quando passava entre a ilha e o Arquipélago de Alcatrazes. A nau "Capitânia" desapareceu; somente na manhã seguinte seus 30 náufragos, dentre eles Martim Afonso, o chefe da expedição colonizadora, foram achados na costa da ilha - um, infelizmente, morreu após entrar em estado de choque. Nos séculos seguintes, novamente há registros de navios europeus tendo problemas na região, seja por tempestade, falta de visibilidade ou rumo incorreto. Por conta dos parcos registros, fica difícil saber a quantidade exata de navios atingidos no período, mas há notícia do pirata "Pamelar" (1721), da galera "Commercio Maritimo" (1828) e do brigue "Cacique" (1853). Entretanto, na segunda metade do século XIX, o cenário começa a mudar.

Após a década de 1850, quando São Paulo iniciou seu processo de industrialização, o tráfego de navios, sobretudo para Santos, começou a crescer vertiginosamente. O primeiro navio "moderno" de grande porte vítima do magnetismo fatal de Ilhabela foi o inglês "Crest" que, na madrugada de 12 de dezembro de 1902, perdeu seu rumo e acabou se chocando nas proximidades de Borrifos. Carregando uma carga de café, havia saído de Santos no mesmo dia com destino a New York.

Um dos muitos mapas vendidos na cidade, que trazem consigo, além das informações normais como estradas e praias, a localização dos principais naufrágios. Créditos: Ilhabela Web.

Dois anos depois, outro desastre assola a região: o "Dart", construído pela inglesa Royal Mail Steam Packet exclusivamente para a rota Santos - New York. O novíssimo navio se perdeu numa tempestade e colidiu com uma laje subterrânea, vindo a naufragar na Ponta de Sepituba. Todos os 56 passageiros e 4 dos 5 tripulantes sobreviveram - a exceção foi o oficial chefe Willian H., arremessado para fora do navio com o violento impacto. Em 1906, mais um navio inglês era perdido na região: o luxuosíssimo "Velásquez", com apenas 30 meses de operação. O navio se perdeu em meio a serração mas, por sorte, ficou preso nas pedras e não veio a afundar de imediato, o que permitiu o resgate. Fato semelhante acometeu o "Hathor", apenas 4 meses depois. Entretanto, a primeira tragédia com grande número de mortes ocorreu no dia 3 de outubro de 1913, com o rebocador "Guarany", da Marinha do Brasil, que participava dos exercícios de defesa da Primeira Guerra Mundial. Em meio a cerração, o rebocador se perdeu dos demais e foi atingido pelo navio "Borborema", que passava nas proximidades. Afundou em apenas 2 minutos, levando consigo 31 vidas.

Em 1916, o mundo acorda atônito com a notícia da grande tragédia, ainda abalado pela lembrança do Titanic: o paquete de luxo "Principe de Asturias", que ligava Barcelona à Montevideo, passando por Valência, Málaga e Cádiz. Constituindo-se em uma das maiores tragédias já vistas no país, veio a se chocar com a Ponta de Pirambura no domingo de Carnaval, levando consigo para o fundo do mar cerca de 477 vidas num terrível naufrágio que durou apenas 5 minutos. Muitos outros faleceram no mar ou em terra, em relatos tristes e pavorosos. Falaremos mais sobre o navio num artigo específico. Mas fora preciso um grande acontecimento deste porte para que o governo finalmente se manifestasse, após as pressões populares, e decidisse instalar alguns faróis para tentar melhorar a navegação em Ilhabela, que só foram concluídos 16 anos depois.

Impressão artística do desastre do "Principe de Asturias": tragédia foi capa de jornal e deixou 477 mortos. Créditos: Navios e Navegadores.

Neste meio tempo, mais navios sofriam problemas: os encalhes e posterior naufrágio dos "Therezina" (1919) e "Aymoré" (1920), "São Janeco" (1929) e "Concar" (1959). Em 1961, foi a vez do barco pesqueiro "Urucânia", que só não vitimou toda sua tripulação pois pessoas que estavam na ilha conseguiram atirar uma corda e resgatar todos os 20 ocupantes pouco antes da embarcação afundar. Alguns meses após, um avião T-6D da Força Aérea realiza um pouso de emergência. Há também outros navios que não chegaram a afundar mas também encalharam nas pedras: "Victoria" (1905), "France" (1906), "Western World" (1931), "Hamilton Lacke" (1960), entre outros. Os problemas finalmente cessam com o advento do GPS, entretanto as anomalias continuam sendo sentidas até hoje por navios e aviões que passam pela região, com indicações contraditórias de seus instrumentos.

Explicações

Como dito, logo após o desastre com o "Principe de Asturias", em 1916, a opinião pública recaiu a culpa para a falta de sinalização - na época, só havia um farol, o da Ponta do Boi, que acabava por não sinalizar outras pontas ou ilhas existentes, as quais sumiam da vista em meio à serração ou tempestade. Com a inauguração dos faróis da Ponta de Pirabura e da Ilha Vitória, 16 anos depois, o número de incidentes diminuiu consideravelmente, mas ainda assim deixava muitas perguntas.

Foi observando este fato que o pesquisador grego Jeannis Platon, radicado em São Paulo, levantou a hipótese de um fenômeno conhecido como "desvio magnético". Antes da popularização dos sistemas GPS, os navios se guiavam por meio de bússolas; estas acabariam sofrendo alterações de indicação ao serem atraídas por minerais presentes na ilha, o que acabaria colocando os navios em uma rota diferente da original. O primeiro relato sobre o fenômeno como causa dos acidentes foi do chefe da Capitânia dos Portos, quando do desastre do "Principe de Asturias". Um contra-almirante da Marinha também relatou "os navios procedentes do nordeste, ao se aproximarem da Ponta do Boi têm, frequentemente, verificado regular caimento para a costa, capaz de os ensacar perigosamente", o que motivou uma pesquisa da Comissão de Exploração Geográfica e Geológica de São Paulo, que confirmou as anomalias magnéticas na costa norte de Ilhabela.

O Farol da Ponta do Boi, parte do fraco sistema de sinalização, uma das causas para os naufrágios. Créditos na foto.

Platon constatou, por algumas vezes, também falhas no motor e/ou sistemas elétricos de sua embarcação; relata também o ocorrido com um amigo, à frente de um rebocador da Petrobrás: "O rumo estava ajustado para a entrada norte do canal, quando a neblina fechou completamente. Assim que melhorou um pouco a visibilidade, avistei primeiro o Pico do Jabaquara na proa (desvio de 30º na bússola). Grande susto! Já estava próximo às pedras. Outras ocorrências aconteceram em navios de maior porte perto da Ponta do Boi. Este trecho demanda extrema atenção.". Finalmente, após um Aviso aos Navegantes publicado em 1970, a Marinha do Brasil confirmou as anomalias magnéticas.

Segundo o pesquisador Inácio Malmonge Martin, físico e pesquisador do ITA, "o campo magnético das rochas existentes em Ilhabela propiciava o afundamento de navos, porque é, muitas vezes, maior que o da Terra, que orientava a bússola com valor de aproximadamente 0,3 Gauss. A unidade de medida do campo magnético é o Tesla. Um Tesla é igual a 10000 Gauss. Logo, as rochas com valores de 0,1 ou mais Tesla influenciavam as bússolas dos navios. Esse problema foi superado com o GPS, com cálculos de 3 ou mais satélites e um receptor de ondas eletromagnéticas no navio. Através do GPS tem-se a posição com precisão de até 2 a 3 metros".

Hoje - O Refúgio Eterno

Com seus diversos naufrágios, que reúnem não só os navios aqui relatados de forma breve, mas também de outras embarcações, algumas vítimas de batalhas contra piratas ou mesmo de submarinos da Primeira Guerra Mundial, Ilhabela é a principal referência para mergulho e arqueologia submarina do país. A partir de excursões que partem da própria cidade ou de São Sebastião, é possível mergulhar em algumas das embarcações que hoje repousam no fundo do mar, como o caso da que ilustra este artigo. Também foi inaugurado, em 1993, o Museu Náutico, que conta com mais de 1500 peças resgatadas dos navios, como louças, roupas e utensílios, além de maquetes e acervo documental.

Mantido pelo poder público, o museu funciona de terça a domingo, das 10 às 18 horas, na Rua José Bonifácio, s/n, bairro Água Branca; o telefone é (12) 3896-3757. A entrada é gratuita.

Objetos pertencentes ao "Principe de Asturias", expostos no Museu Náutico de Ilhabela. Créditos na foto.

Bibliografia para consulta:

- "Diário de Navegação de Pero Lopes" (1534) - Pero Lopes de Souza
- "Ilhabela e Seus Enigmas" (2006) - Jeannis Michail Platon

Por Thales Veiga.


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