Os Túneis Secretos de Rio Claro - O Maior Mistério Arqueológico Paulista

Parte das passagens encontradas no imóvel da Rua 6, em Rio Claro: descoberta coloca os túneis como o maior mistério arqueológico de São Paulo. Créditos: Rio Claro Online.

Década de 1990. Um solitário pedreiro trabalha numa pequena reforma num casarão centenário localizado na Rua 6, em Rio Claro. A princípio, uma reforma simples, abrindo uma pequena garagem num dos cômodos do imóvel, adaptando-o para ser a nova sede da finada Imobiliária Saraiva, que havia acabado de adquirir o imóvel. Entretanto, um estrondo e parte do piso vem abaixo. Aos olhos atônitos e surpresos, é revelada uma entrada em tijolos para uma estrutura subterrânea complexa e muito bem construída: um túnel com 3 metros de altura, bem debaixo do quintal da residência, se estendendo por 20 metros de comprimento, revestido de granito escuro. Após a retirada do entulho em seu interior, foram descobertos frascos de remédios, tubos de ensaio e material de farmácia em geral. 

A descoberta que virou assunto na cidade reacendeu o assunto, que permaneceu esquecido por décadas, após descobertas anteriores de outros trechos dos túneis da rede, e virou alvo de um estudo da UNESP através da museóloga Marizilda Couto, vinda da capital paulista somente para estudar a descoberta arqueológica em Rio Claro. Ao mesmo tempo, alguns habitantes procuraram a equipe para deixar seus relatos de memórias e suas vivências nos túneis. A pesquisa da UNESP confirmou ainda a existência de um túnel por baixo da Praça da Liberdade, interligando a Igreja Matriz e a Igreja do Convento, atual Colégio Puríssimo. Exatamente no centro da praça, debaixo de onde se encontra um obelisco, diz-se a respeito da existência de corpos de bebês no interior da galeria, que teria sido descoberta por um arqueólogo no final da década de 1970 e lacrada logo em seguida.

Após anos sem novas pesquisas, o imóvel fora desocupado e em 2013 o novo proprietário retomou as escavações. Ao perfurar o piso de um dos cômodos, mais uma descoberta, desta vez mais surpreendente ainda: uma enorme sala de 5 metros de altura, com teto abobadado, onde em uma das paredes havia um nicho do mesmo formato da sala, parecendo-se com um altar. Do alto do nicho, uma enferrujada caixa metálica esconde uma abertura que provavelmente serviria como um pequeno elevador manual para suprimentos ou oferendas, qualquer que tenha sido a função do espaço. Na outra extremidade da sala, uma rampa muito íngreme, que só poderia ser vencida se escalada, leva a um pequeno túnel de 1 metro de altura e que se estende por 6 metros em direção à Rua 6 até ser interrompido por entulho.

O mapa da suposta rede, ligando pontos históricos importantes da cidade. Créditos: Thales Veiga/Orgulho de Ser Paulista.

Tais descobertas foram a chave para o início de um dos maiores mistérios de São Paulo. À primeira vista, o centro de Rio Claro, cidade localizada no centro geográfico de São Paulo, parece como o de outra grande cidade paulista qualquer. Mal sabem as milhares de pessoas que passam diariamente na região próxima ao Jardim Público que a famosa "Cidade Azul" esconde, debaixo de suas ruas e construções históricas, um dos maiores mistérios históricos e arqueológicos de São Paulo: interligando igrejas, residências, escolas e locais históricos, uma vasta, extensa e complexa rede de túneis secretos serpenteiam o solo rioclarense.

A partir da junção das evidências encontradas e dos relatos dos antigos moradores, foi possível especular a real magnitude da rede, que poderá ser ainda maior de acordo com novas descobertas. Partindo-se do túnel por baixo da Praça da Liberdade e das galerias da residência mencionada, descobriu-se haver uma ligação entre os túneis exatamente por baixo da Rua 6. Ele teria início portanto na casa ao lado da residência onde descobriu-se a galeria, ainda hoje preservada, e que foi residência do Barão de Porto Feliz. Seguindo por 3 quarteirões, passa por baixo do antigo Cine Theatro Variedades, cujo belíssimo prédio hoje encontra-se preservado e abriga um supermercado da rede Dia; há relatos que, durante sua construção, em 1912, o túnel teria sido descoberto e soterrado, mostrando que não só a rede é anterior ao século XX como também já era um mistério há 100 anos. Antes de terminar na Igreja Matriz onde se encontrava com o segundo túnel que passa por baixo da praça, o túnel passava ainda por baixo da sede do Grupo de Escoteiros, onde, na década de 1950 durante atividades, alguns alunos descobriram também um pedaço do teto de tijolos do túnel, que foi rapidamente coberto pois pensava se tratar de uma galeria de esgoto.

 A antiga casa de Luísa Botão, ocupada pela Escola Técnica Bayeux desde o início do século XX. Créditos: ETEC Bayeux.

Em seguida, fora descoberta, também a partir de antigos relatos, que os túneis alcançavam também outros edifícios ao redor da Praça da Liberdade, como a Escola Cel. Joaquim Salles, que foi construída em cima de um antigo cemitério; a Cadeia Municipal e que também serviu como mercado, hoje demolida; e 4 residências que foram ocupadas por famílias notáveis, a saber: residência de Siqueira Campos, onde hoje funciona a Casa da Cultura (1868), residência da Família Fontes, atual Casa de Ulysses (1937), residência da família Almeida Santos (1910) e residência de Dona Luísa Botão, atual Escola Bayeux (1899). Ao redor da Rua 7, o túnel continua ao norte, alcançando, a partir da casa de Siqueira Campos, o local da antiga prefeitura, onde se bifurca, indo à esquerda para a Loja Maçônica e à direita para a residência de outra notória figura da cidade, o Barão de Dourado, de onde retorna novamente para a casa do Barão de Porto Feliz, ao lado da residência alvo das pesquisas.

Saindo da região inicial, ao longo das Ruas 6 e 7, os túneis lança um ramal para o Gabinete de Leitura, construído em 1890, antes de seguirem por baixo das Avenidas 1 e 2 em direção ao Jardim Público. Nesta região, interligam dois antigos hotéis da cidade, já demolidos, e a residência do Barão de São João de Rio Claro, construída em 1865 e onde hoje funciona a Escola Marcello Schmidt. Passando por baixo do Jardim Público, onde a Unesp através de técnicas próprias de pesquisa confirmou a existência do mesmo, a rede forma um triângulo com base da Rua 3 e ápice na esquina da Avenida 1 com a Rua 2. Nesta região, interliga edifícios já demolidos, o que dificulta sua pesquisa. A saber, o antigo Theatro São João, posteriormente Theatro Phoenix, e 6 residências de figuras notáveis, tendo uma delas também funcionado como prefeitura da cidade. Hoje, todas as partes descobertas da rede encontram-se vedadas e aguardam um trabalho real e amplo de investigação e prospecção arqueológica.

O Mistério 

Em término de restauro após um grave incêndio, a antiga residência do Barão de Dourado, e que serviu também como o Grande Hotel D'Oeste e uma mercearia - hoje, é o lar do Museu Histórico e Pedagógico "Amador Bueno da Veiga", e é mais um dos prédios interligados pelos túneis. Créditos: Pinterest.

Apesar da descoberta das evidências físicas, ainda não se sabe hoje qual seria a real função da rede de túneis embaixo de Rio Claro. A revelação do complexo ativou o imaginário popular, onde foram criadas diversas teorias para explicar a origem das estruturas. A princípio, explicações foram dadas para os trechos isolados: o túnel descoberto na residência da Rua 6 nos anos 1990 teria sido usado por um médico, já que a casa anteriormente foi não só seu consultório como também um hospital, onde teria utilizado o espaço para cremação e autópsia - ou, quem sabe, até mesmo para práticas ilegais. Foi suposto também que o túnel teria a finalidade de ligar a casa do médico a seu consultório, mas a descoberta da segunda câmara, em 2013, transformou esta hipótese em inviável, já que o acesso a ela é muito difícil, sendo necessário escalar uma parede em rampa de 4 metros de altura e andar agachado por vários metros até chegar-se na galeria onde é possível andar de pé.

Na região da Praça da Liberdade, onde supostamente na década de 1970 foram descobertos corpos de bebês no interior do túnel, as teorias supõe que o túnel tenha sido usado como depósito de corpos de leprosos, doença que assolou Rio Claro no final do século XIX, levando os mesmos até o antigo cemitério onde hoje está a Escola Cel. Joaquim Salles, ou ainda para a prática de rituais satânicos. Aliás, esta é uma teoria bastante popular, já que a câmara encontrada na Rua 6 se assemelha bastante com uma espécie de templo com altar. O estranho, porém, é que o túnel da Praça da Liberdade interliga justamente duas igrejas católicas, o que serve também para alimentar uma suposição oposta: teria sido uma rede que permitia o translado de padres e membros da Igreja entre uma construção e outra, uma releitura de redes semelhantes que existiram/existem em cidades antigas ao redor do mundo, inclusive aqui mesmo em São Paulo, na cidade de Santos.

A outra grande teoria aceita é de que os túneis serviam para a Maçonaria, tanto para a prática de rituais secretos quanto para o transporte de seus membros entre suas residências, a Loja Maçônica e edifícios notórios da cidade. Todas as teorias tem suas falhas, pois só explicam partes da suposta rede, e são apenas suposições sem fatos concretos reais. Por fim, uma grande parte da população supõe que o objetivo dos túneis seria então o tráfico de escravos, porém, tal ideia cai por terra se vermos que a cidade era berço de abolicionistas e escravidão foi permitida até 1886 no Estado de São Paulo e, como veremos a seguir, a rede é anterior a este fato.. Aliás, a teoria contrária faria mais sentido: de que os abolicionistas tenham utilizado os túneis para esconder escravos libertos por eles; porém, a mesma também não faz sentido, visto que além de interligar prédios públicos liga também residências de escravocratas.

Além dos Túneis

Considerada o embrião da cidade, a Igreja Matriz de São João Batista do Rio Claro: supostamente, um túnel interliga o templo centenário ao Colégio Puríssimo. Créditos: Governo de São Paulo.

A partir da análise de algumas das construções interligadas pelos túneis, observamos que a mais antiga delas é a Igreja Matriz de São João Batista do Rio Claro, construída em 1827 e reformada em 1869, bastante anterior a qualquer outra edificação dos túneis. Entretanto, a data de sua reforma se aproxima do período de construção de algumas edificações, como a casa do Barão de Porto Feliz, de 1860, o solar do Barão de Dourados, de 1863, a residência do Barão de São João de Rio Claro, de 1865, sendo possível supor que a rede de túneis - ou pelo menos parte dela - foi construída na década de 1860. Através de alguns fatos, podemos confirmar que ela de fato é anterior ao século XX, visto que quando foram construídos a Escola Cel. Joaquim Salles (1900), onde antes havia o cemitério municipal (talvez por isto a existência de um túnel no local) e o Cine Theatro Variedades (1912) a rede já era existente - e além de desconhecida, misteriosa. 

Não só as residências dos 3 "barões do café" mencionados acima faziam parte da rede. Outra, entretanto, se destaca: a casa de Marcello Schmidt. Líder do Partido Republicano Histórico (PHC), Schmidt foi um dos mais importantes políticos paulistas, sendo o principal rival do Partido Republicano Paulista (PRP) dentro dos limites do território de São Paulo. Foi vereador em Rio Claro por 11 anos, chegando a presidir a Câmara Municipal entre 1892 e 1895, e posteriormente o primeiro prefeito da cidade após a emancipação política, entre 1911 e 1913, e deputado estadual. Seu período de vida é posterior às figuras que habitaram as outras existências, porém um fato liga sua pessoa diretamente a uma delas.

Uma das diversas figuras associadas ao mistério dos túneis, Marcello Schmidt foi o primeiro prefeito de Rio Claro e proprietário de dois imóveis interligados pela rede. Créditos: Visite Rio Claro.

A atual Escola Marcello Schmidt, originalmente a residência de Amador Rodrigues de Lacerda Jordão, o Barão de São João de Rio Claro, importante cafeicultor que possuía extensas fazendas no atual município vizinho de Ipeúna, foi vendida após sua morte para José Estanislau de Oliveira, o Visconde de Rio Claro e Barão de Araraquara, outra grande figura importante da cidade, sendo o principal acionista da E. F. Rio Claro, que ligava o município até Araraquara, São Carlos e Brotas. Após a morte de Oliveira, em 1884, sua propriedade foi transferida para sua neta, casada com Schmidt, e depois ao próprio Marcello Schmidt. Teria sido através desta residência que Schmidt teve acesso à rede de túneis e a ampliou não só até a sua casa mas também a outros prédios públicos ocupados ou edificados durante os anos em que foi vereador e prefeito?

Na Praça da Liberdade, os dois obeliscos que supostamente marcam o local onde estariam guardados corpos de bebês no túnel. Créditos: Edson Reis.

Teorias da conspiração e suposições afins, os túneis rioclarenses permanecem, ainda hoje, envoltos em mistérios. Histórias de fantasmas e espíritos cercam os locais por onde seriam algumas das supostas entradas dos túneis. Tenha sido eles edificados por médicos, padres, satanistas, barões do café, maçons ou abolicionistas, falta ainda evidências concretas a respeito de sua história e origem, o que os coloca como o maior mistério arqueológico do Estado de São Paulo.

Confira abaixo mais fotos dos túneis encontrados na residência da Rua 6:

 O exterior do centenário imóvel: assim como outras construções supostamente ligadas pelos túneis, um legítimo exemplar da Arquitetura Paulista. Créditos: Projeto Paranormal.

Num dos cômodos, uma montanha de terra e entulho retirado durante os trabalhos arqueológicos ao lado da entrada do túnel, aberta no porão da casa. Créditos: Projeto Paranormal.

A entrada aberta a partir do piso do porão do imóvel centenário. Créditos: Rio Claro Online.

A pequena abertura revela uma enorme câmara de mais de 5 metros de altura - propósito de sua existência ainda é desconhecido. Créditos: Previna-se da Marca.

Uma caixa de metal enferrujado é o que resta de um pequeno elevador manual, que poderia ter servido para levar suprimentos ao sistema de túneis. Créditos: Previna-se da Marca.

Ao final de um dos nichos, uma enorme rampa de 4 metros de altura dá acesso a um pequeno túnel de ligação com o restante do sistema secreto, por baixo da Rua 6. Créditos: Previna-se da Marca.

A passagem, de cerca de 1 metro de altura, estende-se por 6 metros até ser interrompida por entulho compactado. Estima-se que ele alcança a Rua 6, onde encontra-se com o túnel encontrado na década de 1990 no quintal do mesmo imóvel. Créditos: Rio Claro Online.

Fontes: Prefeitura Municipal, Rio Claro Online e blogs Projeto Paranormal e Previna-se da Marca. 

Por Thales Veiga.