Sabemos que muitos dos leitores da Orgulho de Ser Paulista são favoráveis à independência de São Paulo. Então, decidimos, trazer a vocês os procedimentos que estão sendo e que serão tomados na Catalunha, a fim de consolidar a independência do mais novo país do mundo, declarada unilateralmente ontem, dia 10 de outubro de 2017.
 
Primeiramente, é importante ressaltar os imediatos e imutáveis benefícios que 
as palavras de Carles Puigdemont, presidente da Catalunha, trouxeram para o povo catalão. Isso por que a independência catalã, assim como a de qualquer outra nação no passado ou no futuro, é benéfica per se. Segue então que: 
 
1. A liberdade catalã foi assegurada
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| Mapa das comarcas catalãs, englobando as áreas da Catalunha que pertencem a outros países, como Espanha e França. | 
Sem dúvida alguma, o maior benefício que a independência duma nação traz é o respeito e a 
realização da vontade do povo. Os catalães agora são livres para formarem uma nova união política de acordo com os seus valores e preceitos sociais, econômicos, morais e culturais. 
 
A verdade é que independentemente de como será tal organização política ou a avaliação subjetiva de cada um que acompanha o processo de fora, o argumento moral pró-independência não pode ser invalidado. Portanto, vale unicamente o fato de que ela seguirá a vontade geral dos catalães. 
Este é o louvor da secessão: a garantia de um governo que nasça do consentimento dos governados. 
2. A História Catalã agradece
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| Fernando II de Aragão, também conde de Barcelona, diante das Cortes Catalãs. Miniatura do século XV. | 
Como uma extensão do primeiro ponto, a independência catalã garante autonomia ao povo local de escrever sua própria história sem mais interferências tirânicas externas. 
A importância desse ponto se deve a compreensão do fato de que a história é um dos pilares da identidade cultural dum povo. Todas as decisões e instituições promovidas pelos catalães construíram a base em que sua soberania hoje repousa. 
Deste modo, uma vez independente, a História Catalã não está mais sujeita a ser dirigida por outros que não sejam seus verdadeiros donos. Isso significa que o povo catalão agora é livre para dirigi-la como bem entender. 
3. A Cultura Catalã também agradece
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| Castellers de Vilafranca montando um Castell, torre humana que é uma tradição catalã há mais de dois séculos. Fonte: Wikimedia Commons. | 
Assim como a História, a Cultura Catalã foi imediatamente beneficiada com as palavras de liberdade declaradas ontem. A herança cultural é o registro do processo de memória dum povo. Todas as escolhas feitas no passado estão contidas na cultura, bem como a personalidade do mesmo. Quando uma cultura se esvai, o povo que a praticava morre também. O independentismo é uma ferramenta que pode ser utilizada para essa valorização sem prejuízos para os cidadãos ou os estrangeiros. Todos os elementos culturais catalães não estão mais sujeitos a supressão ou assimilação por outros.
De acordo com o que citamos nesse artigo 
aqui, a Catalunha já teve sua cultura massacrada pelo poder central espanhol diversas vezes. Nada realmente concreto a protegia da soberba e do autoritarismo dos governantes espanhóis. 
Não tinham nem o direito de defesa. Porém, agora independente, a cultura catalã está livre de quaisquer supressões externas e também poderá seguir seu rumo natural conforme o progresso de seu povo. 
 
Por fim, a independência catalã já pode ser analisada como benéfica, pois nasce da vontade do povo catalão. Sua liberdade agora é concreta. A identidade catalã agora é soberana. Independentemente se eles serão ou não o melhor país do mundo daqui a 5, 10, 20 ou 100 anos, sua liberdade foi garantida, sua identidade preservada e seus direitos reconhecidos. 
Esta é a verdadeira essência independentista: a moralidade inerente à soberania de um povo autodeterminado.
No anúncio de ontem, Puigdemont declarou a independência, mas resolveu postergar os efeitos desta para dialogar com a Espanha, a fim de tentar conseguir que a transição seja pacífica e reconhecida, prorrogando assim parte do que foi determinado na 
Llei de Transitorietat Jurídica e Fundacional de la República (Lei de Transitoriedade Jurídica e Fundacional da República). Mas essa decisão de diálogo também está prevista na Lei, que explicita que o diálogo com Madrid será feito pacificamente para assegurar todos os direitos dos cidadãos espanhóis residentes na Catalunha, que 
não deseja inimizade com nenhum país vizinho, muito menos com o país a que pertencia há pouco tempo.
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| Carles Puigdemont em seu discurso de independência no Parlamento Catalão. Foto de David Ramos, via El País. | 
Tal lei, aprovada pelo parlamento
catalão em 8 de setembro de 2017, é a norma suprema que regerá a Catalunha até
que a Constituição seja elaborada e aprovada. Até lá, o novo Estado terá a 
forma
republicana e o presidencialismo subordinado ao parlamento como sistema de governo. A eleição do
presidente estará a cargo do parlamento, cessando seu mandato com novas
eleições, com um voto de desconfiança, com uma demissão, com a incapacidade
permanente reconhecida pelo parlamento ou com uma condenação penal que o inabilite para
as funções públicas.
 
O processo independentista será composto de três fases: uma participativa, outra constituinte e uma ratificadora. A primeira será formação de um fórum para discutir as principais necessidades da Catalunha. A segunda será a eleição duma assembleia constituinte e a elaboração da Constituição e a terceira a ratificação da Constituição por meio de eleição popular. Assim, a partir de agora o Estado Catalão se declara o sucessor do Reino da Espanha em direitos e obrigações nas terras catalãs.
No artigo primeiro do título I da lei 
 «Disposicions generals, territori i nacionalitat
», fica dito que a Catalunha é uma 
«República de Direito, democrática e social». Além disso, é esclarecido que a soberania nacional reside no povo da Catalunha, 
«do qual emanam todos os poderes do Estado
», significando que o 
povo catalão será responsável pelas decisões na hora da constituição do novo Estado e que nenhum pedaço de papel pode invalidar as vontades do povo, desde que ela não fira outrem.
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| Primeira e última página da Lei de Transitoriedade Jurídica, lei que também reconhece os direitos dos castelhanófonos na Catalunha. | 
A Lei garante a continuidade de todo o direito, atos administrativos e tratados internacionais vigentes, desde que não contrariem ela própria. O documento ainda reconhece a organização institucional diferenciada do Vale do Arão, região na Catalunha que fala occitano e tem ligações com uma nação ainda sem Estado, a Occitania. Ademais, 
os castelhanófonos terão seus direitos garantidos, sendo o castelhano uma das três línguas usadas pelo novo Estado. Além disso, convida todo o pessoal que serve ao Reino da Espanha dentro da Catalunha a prestar serviço à Generalit de Catalunya, isto é, o governo catalão. Os que já prestavam serviço a ela continuarão na mesma posição. 
 
O novo Estado Catalão ainda garantiu a continuidade do pagamento das pensões do Seguro Social.
No âmbito da nacionalidade, os que adquirirem cidadania catalã não precisarão renunciar qualquer outra nacionalidade que tenham, inclusive a espanhola. A lista dos que podem solicitar a nacionalidade contempla:
- Os nascidos na Catalunha, independentemente de terem ou não a filiação identificada;
 
- Cidadãos espanhóis residentes na Catalunha desde antes de 31 de dezembro de 2016. Os que passaram a residir depois poderão requerer no momento em que completarem dois anos contínuos no novo país;
 
- Pessoas que residam fora da Catalunha, mas cuja última residência administrativa haja sido na Catalunha por ao menos cinco anos;
 
- Os filhos de pai ou mãe catalães (biológicos ou adotados);
 
- Pessoas que depois da entrada da lei nasçam na Catalunha, filhas de pais estrangeiros cujas leis do país de origem não lhes atribua uma nacionalidade;
 
- Estrangeiros que legalmente residam na Catalunha por pelo menos cinco anos antes do momento da solicitação.
 
Independentemente da possessão ou não da cidadania catalã, todos terão os mesmos direitos perante a lei, exceto o de votar (que é reservado apenas aos que se enquadrarem nos requisitos da cidadania).
No âmbito dos direitos, o novo Estado Catalão garante proteção àqueles reconhecidos na Constituição Espanhola e no Estatuto de Autonomia da Catalunha. O artigo 22 da lei também adere à 
Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao 
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ao 
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao 
Convênio Europeu de Direitos Humanos (e seus protocolos adicionais), bem como à 
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A adoção de todos esses pactos é 
importante para a garantia da seriedade do novo país, bem como uma 
demonstração de respeito aos seus naturais e demais residentes.
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| Eleanor Roosevelt segura a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foto das Nações Unidas. | 
O 
judiciário será independente do executivo e legislativo e
os magistrados deverão agir com 
inamovibilidade, 
imparcialidade e 
responsabilidade,
estando subordinados apenas à lei e ao direito. Os casos e processos catalães
que tramitavam em tribunais espanhóis serão transferidos para os órgãos
catalães e 
a República Catalã buscará um acordo de cooperação judiciária junto
à Espanha. Até que o parlamento aprove alguma lei de administração da justiça,
as leis já existentes continuam a ser aplicadas em território catalão.
 
A lei ainda contempla mais detalhadamente assuntos como o funcionamento do parlamento, da presidência, da administração, do censo eleitoral, dos governos locais e das demais instituições catalãs e aranesas. Ela é o exemplo duma das diversas maneiras de se gerenciar uma transição jurídica, embora nos reste a incerteza se a Espanha vai colaborar ou retribuir tudo com violência, como já demonstrou em suas intenções. Os tempos são incertos, mas os catalães têm boas propostas e uma excelente maneira de lidar com isso.
Conforme for conduzido esse processo, 
ele poderá influenciar noutras transições jurídicas que possam vir a acontecer nos próximos anos.
Lições para nós
O movimento catalão não é de hoje. Desde a união pessoal da Coroa de Aragão com Castela, os catalães têm se manifestado contra a tirania de Madrid. Assim foi na Guerra dos Segadores e noutros episódios nos séculos seguintes. Após a extinção da autonomia local no século XVIII e da proibição do catalão em seguida, o povo observou que precisava ser livre novamente.
O fim do século XIX foi marcado pelo 
catalanismo, doutrina que visava recuperar a cultura catalã que havia sido rebaixada e combatida pelas forças centrais do reino. Podemos dizer que o independentismo catalão moderno começa aí.
Durante a ditadura de Franco, ele sofreu uma pausa, mas foi retomado após a Constituição de 1978. Ganhou sua maior força a partir do fim dos anos 90 e início dos 2000, quando lhes negaram mais autonomia. Desde o fim de Franco, foram 40 anos de reconstrução da identidade catalã e da retomada do sentimento nacional outrora perdido. 
Há 30 anos, o independentismo ainda era marginal na Catalunha. Mas o esforço dos cidadãos em busca da liberdade foi o que os salvou e os levou até a proclamação de independência.
Muitas lições São Paulo pode tirar disso. 
Sem o esforço do povo em reviver e espalhar sua cultura, a Catalunha JAMAIS teria chegado aonde chegou. Foi preciso que as pessoas acreditassem e lutassem com coragem.
O modelo de transição adotado – que é pautado no diálogo com a Espanha e outras potências, no respeito aos naturais e estrangeiros e na sustentação de si próprios – é um incentivo para que outras nações possam também se independentizar clamando e buscando pela paz e estabilidade. Muitos independentistas  paulistas têm dúvidas sobre como é feita uma transição jurídica. Agora, podem presenciar de perto como está sendo feita na Catalunha, sendo essa uma das milhares de maneiras de se executar um processo assim.
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| Soldados paulistas no túnel da Mantiqueira em 1932. Foto colorizada por Reinaldo Elias. | 
Porém, acima de tudo, pra que esse processo aconteça, estão o 
amor pelo país, a 
coragem para defendê-lo, a 
racionalidade para lidar com as dificuldades do processo, a 
fé na própria ideia e o 
conhecimento do pró´prio povo e de como as coisas funcionam. Os paulistas podem buscar por tudo isso. A geração de 32 é um bom exemplo de coragem e é essa coragem que está faltando no coração de cada um dos que nasceram e habitam a Nação Paulista. É hora de retomarmo-la, ao mesmo tempo em que nos usamos de ferramentas atuais para a condução de mudanças. 
É hora de mostrar ao nosso povo sua própria história e sua própria cultura. É hora de ter Orgulho de Sermos Paulistas. 
Por Lucas Pupile e Vinícius Lima
Confira a Llei de Transitorietat Jurídica i Fundacional de la República nesse link, onde é possível baixá-la em PDF ou lê-la online. 
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