quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Os benefícios da independência catalã, a lei de transitoriedade e as lições para os paulistas

Sabemos que muitos dos leitores da Orgulho de Ser Paulista são favoráveis à independência de São Paulo. Então, decidimos, trazer a vocês os procedimentos que estão sendo e que serão tomados na Catalunha, a fim de consolidar a independência do mais novo país do mundo, declarada unilateralmente ontem, dia 10 de outubro de 2017.


Primeiramente, é importante ressaltar os imediatos e imutáveis benefícios que as palavras de Carles Puigdemont, presidente da Catalunha, trouxeram para o povo catalão. Isso por que a independência catalã, assim como a de qualquer outra nação no passado ou no futuro, é benéfica per se. Segue então que: 

1. A liberdade catalã foi assegurada

Mapa das comarcas catalãs, englobando as áreas da Catalunha que pertencem a outros países, como Espanha e França.
Sem dúvida alguma, o maior benefício que a independência duma nação traz é o respeito e a realização da vontade do povo. Os catalães agora são livres para formarem uma nova união política de acordo com os seus valores e preceitos sociais, econômicos, morais e culturais. 

A verdade é que independentemente de como será tal organização política ou a avaliação subjetiva de cada um que acompanha o processo de fora, o argumento moral pró-independência não pode ser invalidado. Portanto, vale unicamente o fato de que ela seguirá a vontade geral dos catalães. 

Este é o louvor da secessão: a garantia de um governo que nasça do consentimento dos governados

2. A História Catalã agradece

Fernando II de Aragão, também conde de Barcelona, diante das Cortes Catalãs. Miniatura do século XV.
Como uma extensão do primeiro ponto, a independência catalã garante autonomia ao povo local de escrever sua própria história sem mais interferências tirânicas externas. 

A importância desse ponto se deve a compreensão do fato de que a história é um dos pilares da identidade cultural dum povo. Todas as decisões e instituições promovidas pelos catalães construíram a base em que sua soberania hoje repousa. 

Deste modo, uma vez independente, a História Catalã não está mais sujeita a ser dirigida por outros que não sejam seus verdadeiros donos. Isso significa que o povo catalão agora é livre para dirigi-la como bem entender

3. A Cultura Catalã também agradece

Castellers de Vilafranca montando um Castell, torre humana que é uma tradição catalã há mais de dois séculos. Fonte: Wikimedia Commons.
Assim como a História, a Cultura Catalã foi imediatamente beneficiada com as palavras de liberdade declaradas ontem. A herança cultural é o registro do processo de memória dum povo. Todas as escolhas feitas no passado estão contidas na cultura, bem como a personalidade do mesmo. Quando uma cultura se esvai, o povo que a praticava morre também. O independentismo é uma ferramenta que pode ser utilizada para essa valorização sem prejuízos para os cidadãos ou os estrangeiros. Todos os elementos culturais catalães não estão mais sujeitos a supressão ou assimilação por outros.

De acordo com o que citamos nesse artigo aqui, a Catalunha já teve sua cultura massacrada pelo poder central espanhol diversas vezes. Nada realmente concreto a protegia da soberba e do autoritarismo dos governantes espanhóis. Não tinham nem o direito de defesa. Porém, agora independente, a cultura catalã está livre de quaisquer supressões externas e também poderá seguir seu rumo natural conforme o progresso de seu povo. 

Por fim, a independência catalã já pode ser analisada como benéfica, pois nasce da vontade do povo catalão. Sua liberdade agora é concreta. A identidade catalã agora é soberana. Independentemente se eles serão ou não o melhor país do mundo daqui a 5, 10, 20 ou 100 anos, sua liberdade foi garantida, sua identidade preservada e seus direitos reconhecidos. 

Esta é a verdadeira essência independentista: a moralidade inerente à soberania de um povo autodeterminado.

Mas e agora?

No anúncio de ontem, Puigdemont declarou a independência, mas resolveu postergar os efeitos desta para dialogar com a Espanha, a fim de tentar conseguir que a transição seja pacífica e reconhecida, prorrogando assim parte do que foi determinado na Llei de Transitorietat Jurídica e Fundacional de la República (Lei de Transitoriedade Jurídica e Fundacional da República). Mas essa decisão de diálogo também está prevista na Lei, que explicita que o diálogo com Madrid será feito pacificamente para assegurar todos os direitos dos cidadãos espanhóis residentes na Catalunha, que não deseja inimizade com nenhum país vizinho, muito menos com o país a que pertencia há pouco tempo.

Carles Puigdemont em seu discurso de independência no Parlamento Catalão. Foto de David Ramos, via El País.
Tal lei, aprovada pelo parlamento catalão em 8 de setembro de 2017, é a norma suprema que regerá a Catalunha até que a Constituição seja elaborada e aprovada. Até lá, o novo Estado terá a forma republicana e o presidencialismo subordinado ao parlamento como sistema de governo. A eleição do presidente estará a cargo do parlamento, cessando seu mandato com novas eleições, com um voto de desconfiança, com uma demissão, com a incapacidade permanente reconhecida pelo parlamento ou com uma condenação penal que o inabilite para as funções públicas.

O processo independentista será composto de três fases: uma participativa, outra constituinte e uma ratificadora. A primeira será formação de um fórum para discutir as principais necessidades da Catalunha. A segunda será a eleição duma assembleia constituinte e a elaboração da Constituição e a terceira a ratificação da Constituição por meio de eleição popular. Assim, a partir de agora o Estado Catalão se declara o sucessor do Reino da Espanha em direitos e obrigações nas terras catalãs.

No artigo primeiro do título I da lei  «Disposicions generals, territori i nacionalitat», fica dito que a Catalunha é uma «República de Direito, democrática e social». Além disso, é esclarecido que a soberania nacional reside no povo da Catalunha, «do qual emanam todos os poderes do Estado», significando que o povo catalão será responsável pelas decisões na hora da constituição do novo Estado e que nenhum pedaço de papel pode invalidar as vontades do povo, desde que ela não fira outrem.

Primeira e última página da Lei de Transitoriedade Jurídica, lei que também reconhece os direitos dos castelhanófonos na Catalunha.
A Lei garante a continuidade de todo o direito, atos administrativos e tratados internacionais vigentes, desde que não contrariem ela própria. O documento ainda reconhece a organização institucional diferenciada do Vale do Arão, região na Catalunha que fala occitano e tem ligações com uma nação ainda sem Estado, a Occitania. Ademais, os castelhanófonos terão seus direitos garantidos, sendo o castelhano uma das três línguas usadas pelo novo Estado. Além disso, convida todo o pessoal que serve ao Reino da Espanha dentro da Catalunha a prestar serviço à Generalit de Catalunya, isto é, o governo catalão. Os que já prestavam serviço a ela continuarão na mesma posição. 

O novo Estado Catalão ainda garantiu a continuidade do pagamento das pensões do Seguro Social.

No âmbito da nacionalidade, os que adquirirem cidadania catalã não precisarão renunciar qualquer outra nacionalidade que tenham, inclusive a espanhola. A lista dos que podem solicitar a nacionalidade contempla:

  1. Os nascidos na Catalunha, independentemente de terem ou não a filiação identificada;
  2. Cidadãos espanhóis residentes na Catalunha desde antes de 31 de dezembro de 2016. Os que passaram a residir depois poderão requerer no momento em que completarem dois anos contínuos no novo país;
  3. Pessoas que residam fora da Catalunha, mas cuja última residência administrativa haja sido na Catalunha por ao menos cinco anos;
  4. Os filhos de pai ou mãe catalães (biológicos ou adotados);
  5. Pessoas que depois da entrada da lei nasçam na Catalunha, filhas de pais estrangeiros cujas leis do país de origem não lhes atribua uma nacionalidade;
  6. Estrangeiros que legalmente residam na Catalunha por pelo menos cinco anos antes do momento da solicitação.

Independentemente da possessão ou não da cidadania catalã, todos terão os mesmos direitos perante a lei, exceto o de votar (que é reservado apenas aos que se enquadrarem nos requisitos da cidadania).

No âmbito dos direitos, o novo Estado Catalão garante proteção àqueles reconhecidos na Constituição Espanhola e no Estatuto de Autonomia da Catalunha. O artigo 22 da lei também adere à Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao Convênio Europeu de Direitos Humanos (e seus protocolos adicionais), bem como à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A adoção de todos esses pactos é importante para a garantia da seriedade do novo país, bem como uma demonstração de respeito aos seus naturais e demais residentes.

Eleanor Roosevelt segura a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foto das Nações Unidas.
O judiciário será independente do executivo e legislativo e os magistrados deverão agir com inamovibilidade, imparcialidade e responsabilidade, estando subordinados apenas à lei e ao direito. Os casos e processos catalães que tramitavam em tribunais espanhóis serão transferidos para os órgãos catalães e a República Catalã buscará um acordo de cooperação judiciária junto à Espanha. Até que o parlamento aprove alguma lei de administração da justiça, as leis já existentes continuam a ser aplicadas em território catalão.

A lei ainda contempla mais detalhadamente assuntos como o funcionamento do parlamento, da presidência, da administração, do censo eleitoral, dos governos locais e das demais instituições catalãs e aranesas. Ela é o exemplo duma das diversas maneiras de se gerenciar uma transição jurídica, embora nos reste a incerteza se a Espanha vai colaborar ou retribuir tudo com violência, como já demonstrou em suas intenções. Os tempos são incertos, mas os catalães têm boas propostas e uma excelente maneira de lidar com isso.

Conforme for conduzido esse processo, ele poderá influenciar noutras transições jurídicas que possam vir a acontecer nos próximos anos.

Lições para nós

O movimento catalão não é de hoje. Desde a união pessoal da Coroa de Aragão com Castela, os catalães têm se manifestado contra a tirania de Madrid. Assim foi na Guerra dos Segadores e noutros episódios nos séculos seguintes. Após a extinção da autonomia local no século XVIII e da proibição do catalão em seguida, o povo observou que precisava ser livre novamente.

O fim do século XIX foi marcado pelo catalanismo, doutrina que visava recuperar a cultura catalã que havia sido rebaixada e combatida pelas forças centrais do reino. Podemos dizer que o independentismo catalão moderno começa aí.

Durante a ditadura de Franco, ele sofreu uma pausa, mas foi retomado após a Constituição de 1978. Ganhou sua maior força a partir do fim dos anos 90 e início dos 2000, quando lhes negaram mais autonomia. Desde o fim de Franco, foram 40 anos de reconstrução da identidade catalã e da retomada do sentimento nacional outrora perdido. Há 30 anos, o independentismo ainda era marginal na Catalunha. Mas o esforço dos cidadãos em busca da liberdade foi o que os salvou e os levou até a proclamação de independência.

Muitas lições São Paulo pode tirar disso. Sem o esforço do povo em reviver e espalhar sua cultura, a Catalunha JAMAIS teria chegado aonde chegou. Foi preciso que as pessoas acreditassem e lutassem com coragem.

O modelo de transição adotado – que é pautado no diálogo com a Espanha e outras potências, no respeito aos naturais e estrangeiros e na sustentação de si próprios – é um incentivo para que outras nações possam também se independentizar clamando e buscando pela paz e estabilidade. Muitos independentistas  paulistas têm dúvidas sobre como é feita uma transição jurídica. Agora, podem presenciar de perto como está sendo feita na Catalunha, sendo essa uma das milhares de maneiras de se executar um processo assim.

Soldados paulistas no túnel da Mantiqueira em 1932. Foto colorizada por Reinaldo Elias.
Porém, acima de tudo, pra que esse processo aconteça, estão o amor pelo país, a coragem para defendê-lo, a racionalidade para lidar com as dificuldades do processo, a na própria ideia e o conhecimento do pró´prio povo e de como as coisas funcionam. Os paulistas podem buscar por tudo isso. A geração de 32 é um bom exemplo de coragem e é essa coragem que está faltando no coração de cada um dos que nasceram e habitam a Nação Paulista. É hora de retomarmo-la, ao mesmo tempo em que nos usamos de ferramentas atuais para a condução de mudanças. É hora de mostrar ao nosso povo sua própria história e sua própria cultura. É hora de ter Orgulho de Sermos Paulistas

Por Lucas Pupile e Vinícius Lima

Confira a Llei de Transitorietat Jurídica i Fundacional de la República nesse link, onde é possível baixá-la em PDF ou lê-la online. 

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